AS
FÉRIAS DO ALMEIDA
Nota do Autor:
- Este é o terceiro episódio das aventuras de
nosso companheiro Almeida (Fernando de Souza ALMEIDA, 71-317), nobre e leal
amigo de nossa Turma Maracujá.
- O “Funeral da Sandália do Almeida”, foi onde
tudo teve ínicio, quando nosso amigo perdeu sua
sandália em um Churrasco de nossa Turma, e depois de se meter em uma série de
trapalhadas consegue chegar em sua casa.
- “O Roubo do Fusca do Almeida”, segundo
episódio da série conta as peripécias de nosso amigo em seu primeiro dia como
coronel aposentado da PMERJ, quando ele tem o seu querido fusca roubado, e sua
carteira apreendida por um Guarda Municipal, mas para complicar as coisas,
exatamente neste dia ele festeja mais um aniversário de casamento, e ao
preparar uma surpresa para sua esposa, dá tudo errado!
- “As Férias do Almeida” começam no dia
seguinte ao roubo de seu fusca, ele tenta recuperá-lo no DETRAN, passando antes
pelo QG para resolver sua tão esperada aposentadoria. Sua saga continua quando
sua família decide sair de férias, o que se transforma em um verdadeiro
pesadelo para ele.
- Divirtam-se, com as aventuras de
nosso amigo!
Padilha (71-003)
AS
FÉRIAS DO ALMEIDA
(terça-feira
de manhã)
- levanta véio!
- o quê! o quê! o quê! o quê! o
quê! o quê!
- são sete e meia, tá na hora.
- hora? que hora? tô aposentado.
- hora de levantá, voltar
lá no QG.
- mas eu tô sem carro,
roubaram meu fusca! esqueceu?
- e daí, pega um ônibus! tu
num chegou ontem aqui de ônibus, logo no nosso aniversário de casamento, com
uma história sem pé nem cabeça.
- éh! se
eu contar ninguém acredita, santinha.
- e para de me chamar de santinha, alguma coisa tu
aprontou ontem, tô desconfiada!
- sim, minha santa, quer dizer não, minha santa!
(Almeida
sai de casa cabisbaixo, e decide: vou de táxi pro QG)
- tá livre aí, meu peixe?
- tô!
- então me leva até o centro.
- só no tiro!
- tiro? que isso?
- só no acerto, meu tio?
- que acerto? este táxi
não tem taxímetro?
- tem, mas tô na minha
hora de almoço e só saio no tiro.
- que hora de almoço, são oito horas da manhã!
- é que eu almoço cedo! hi hi hi
hi.
(Almeida, pensa: fdp desse taxista vou sacaneá ele)
- tá bom, meu peixe vamos lá pro centro no tiro,
quanto é que é?
- um galo!
- quanto???
- 50 conto!
- tudo isso? tá bom, vamos
lá.
(chegando
perto do QG da PM)
- onde é que é, mermão?
- é mais na frente!
- aonde?
- tá vendo aqueles dois moços com espingarda no
ombro?
- tô... dotô!
- então é o seguinte, pode entrar naquele portão.
- sim... seu doutor doto!
(o
taxista pensou: tô frito, o homi é cana)
- pode para ali naquele canto.
- quanto é que é mesmo?
- é cinco... doutô!
- cinco, o que?
- cinco reais... doutô.
- ué, mas não era cinqüenta?
- era, mas como o transito tava bão!
o senhor tem direito a esse desconto.
- então toma, e se manda.
- sim... seu doutô!
(Almeida
pensa: comecei bem o dia, hoje acerto meus ponteiros)
(atravessa
o pátio, e vai até o Setor de Inativos e Pensionistas, guichê aberto, 08:30, e o cabo folgado lendo o “DIA”)
- bom dia, cabo!
- bom dia, chefia!
- chefia, uma ova, vai
ficando em sentido, abotoa esta camisa, apaga este cigarro e fecha este jornal.
- sim senhor!
- sabe quem eu sou?
- não senhor!
- sou o Coronel PMERJ Fernando Almeida e hoje vou
sair daqui com a minha guia pra dar entrada na aposentadoria, entendeu?
- sim senhor!
- assim é melhor, me dá logo a guia.
- sim senhor, coronel, RG por
favor.
- RG?
- é, sem o RG o sistema
não emite a guia.
(Almeida
pensa: putz, minha carteira ficou lá com o guarda
municipal)
- entra pelo nome.
(a
fila começa a crescer)
- não dá coronel, o sistema só aceita pelo RG, é só
o senhor ver no verso da sua carteira o numero do seu RG.
- acontece que eu não estou com a bendita da minha carteira
aqui, e não me lembro do RG.
- bom coronel, neste caso sinto
muito, não posso fazer nada! o próximo.
- Mas, eu quero a minha gu...
(o
grito veio alto, e forte do final da fila)
- anda logo aí, chuchú!
(Almeida, se vira colérico; o apelido era dos tempos da Academia de
Polícia, e ele o detestava.)
- o quê, o quê, quem me chamou de chuchú, aí? pombas!
- fui eu, porquê? -
respondeu o Cel Braz.
(Braz,
Coronel, ex-Comandante da PM do Rio, mais antigo, 1 metro e 90,
110 kg, instrutor de karatê, reformado por
surdez no governo Benedita)
- ah! é você, Braz, não é
nada não, eu tava só perguntando, chefia!
- então resolve logo teu galho aí, e se manda, ......chuchú!
- é, eu já tava mesmo de
saída, depois eu volto, quando a fila tiver menor.
O
cabo, gozando:
- até logo, Coronelllllllllllllll!
- cabo, depois nós conversamos, até logo chefia!
- até logo, .....chuchú!
(Almeida
pensou: fdp deste negrão, esse corno me chamar de chuchú na frente dos outros, e ainda mais na frente daquele
cabo.....bom só tem um jeito, vou ter que ir lá no
Velha tentar recuperar minha carteira, mas o que é que eu vou dizer pra ele ?)
(Na
sede da Guarda Municipal)
- bom dia, em que posso ajudá-lo?
- queria falar com o coronel Antunes.
- o seu nome?
- Almeida, coronel Almeida.
- um momento...
- chuchú, a quanto tempo!
- é! Velha, meu velho, quanto tempo! você tá mais moço rapaz, cara de BQ.
- que isso chuchú, tô com a tua idade.
- nada rapaz, a cada dia você fica mais novo.
- você tá me gozando, eu já nasci velho, desde BQ,
mas o que é que você manda?
- ah! Velha, meu amigo, tenho
dado um azar depois que passei pra reserva, que semana!
- é mesmo?
- pois é meu peixe, primeiro perdi minha sandália
no churrasco da Turma Maracujá lá no COGAL, depois sofri um assalto, levaram
meu fusca, minha carteira da PM, minha arma, não morri
por pouco.
- é mesmo? eu não soube
não. Quando foi isso?
- ontem mesmo, lá perto de casa, na Piedade.
- ontem? bom, mas e aí? em que posso te ajudar?
- sabe Velha! eu tava
passando aqui na frente da sede da Guarda Municipal, e pensei, de repente
alguém achou minha carteira da PM roubada e entregou aqui na Guarda, sei lá.
- bom, chuchú, eu acho
muito difícil, documentos perdidos ou roubados normalmente vão todos pros
correios.
- eu sei, mas de repente, quem sabe?
- bom, se você insiste, vou mandar averiguar, pêra
aí, chuchú.
- dona Ivete, me liga com o supervisor.
- sim senhor!
- supervisão!
- Joel? é o coronel
Antunes.
- sim senhor, chefe.
- Joel, eu sei que isso é muito improvável, mas por
acaso alguém entregou algum documento ai?
- pera aí, chefe, deixa
eu dá uma olhada.
- chefe?
- sim, Joel.
- tem uma carteira da PM aqui na gaveta.
- carteira da PM? na
gaveta? e de quem é?
- bom, é de um tal coronel
Almeida.
- não acredito! chuchú a tua carteira tá aqui! como
é que tu adivinhou?
- bom Velha, foi só uma
dedução, sabe como é, muitos anos de policia, sexto sentido, essas coisas.
- Joel, traz ela aqui por favor,
e veja se tem algum papel, algum bilhete preso nela.
- ok!
(Joel
chega com a carteira e duas folhas de papel)
- obrigado Joel.
- toma a carteira chuchú,
deixa eu ler estas folhas.
(Almeida
gelou: é agora, o que será que aquele guarda escreveu)
- porra chuchú, o cara tá
metendo o pau no cara que te roubou a carteira e o fusca.
- é! mesmo?
(graças
a deus!)
- ele tá dizendo que parou um cidadão que se
identificou como coronel da PM, num fusca, falando no celular, sem cinto, e que
quando começou a aplicar as multas, o cidadão tentou um acerto com ele, disse
que me conhecia, e como não conseguiu, chamou ele de viado, foi embora, e largou a carteira na mão dele!!!!!
- que isso! que absurdo!
- pois é Chuchú, meu
Guarda trabalhando, e o sujeito esculhamba com ele,
esse cara não é um escroto?
- é!...
- esse cara não é um babaca?
- é!...
- esse cara não é um filho da puta?
- é!....
- se eu pego um escroto desses, não sei não,
quebrava ele na porrada!
- é!....
- bom, vou chamar o Guarda pra você agradecer
pessoalmente! ele tá de serviço interno hoje.
- não! não! não! não! não!
não! não! não!
- não? pô
chuchú, o cara devolveu tua carteira!
- sabe o quê que é? tô com uma puta pressa, tenho que passar no depósito
do DETRAN pra tentar recuperar meu carro, tchau!
- perai Chuchú, vamos tomar um
cafezinho...
- não! não! não! não! não!
tchau Velha, fui!
(Almeida
pensa: porra, essa passou perto, mas ao menos recuperei a carteira, agora vou
atrás do meu fusca, e depois desenrolo a aposentadoria)
(No
depósito do DETRAN no Cajú)
- boa tarde.
- boa tarde, senhor.
- vim recuperar meu carro.
- roubado ou rebocado?
- roubado!
- documentos do carro.
- estavam no carro.
- xerox
serve.
- não tenho!
- B.O.!
- que isso?
- Boletim de Ocorrência da DP da área do roubo e a guia
de liberação.
- não tenho!
- então, não vai dar!
- como, não vai dar? o
carro é meu!
- não vai dar, porque a liberação é só com os
documentos originais ou o BO.
- oh! meu camarada quebra
essa aí, a DP é do outro lado da cidade.
- sai uma cervejinha aí, meu tio?
- puta merda, tá bom, tá bom, sai uma cervejinha.
- bom, então, escreve o numero da placa, marca, cor
e ano nesse papel.
- pronto!
- já volto já.
- senhor, trouxe reboque?
- reboque, porque?
- bom, o carro tá sem as rodas, bateria, estepe,
extintor, triangulo, macaco e chave de rodas, o resto tá no lugar.
- resto? que resto? o que sobrou não vale nada, e aonde eu vou arrumar um
reboque.
- tem o do meu tio.
- tio? que tio?
- meu tio! ele tem um reboque,
que eu sempre indico pro pessoal precisado.
- negativo, eu vou comprar rodas e pneus novos, e
os outros troços que me roubaram.
- ah! bom, porque é que o
senhor não falou logo? então o senhor pode ir ali na
esquina, na loja do seu Tião, um velhinho baixinho, gente fina.
- e ele tem tudo lá?
- tem! tudo! e quando o senhor chegar lá, pede pelo kit.
- kit, que kit?
- o kit depósito!
- tá bom, vou até lá!
(Almeida,
desconfiado, chega na loja do seu Tião)
- bom dia!
- bom dia! seu Tião?
- sou eu mesmo, o que o senhor deseja?
- o rapaz do Depósito me indicou a sua loja, e que
pedisse ao senhor um tal de kit depósito!
- ah! o kit depósito,
certo!
- Seu Tião, afinal o que é esse tal de kit
depósito?
- é um kit que já vem com tudo que está faltando no
carro quando o dono vai recuperar ele lá no Depósito do DETRAN.
- não acredito, é mesmo?
- é sim senhor, o pessoal do Depósito é muito
legal, temos uma boa relação com eles.
- não acredito, é mesmo?
- marca e ano?
- O que?
- marca e ano do carro pro kit.
- fusca, 67, amarelo ovo.
- que sorte a sua! acabou
de chegar, hoje de manhã, um kit pra este carro, táva
em falta!
- é, realmente hoje minha
sorte tá melhorando.
- e o que é que vem nesse kit?
- bom, vejamos: rodas, bateria, estepe, extintor,
triangulo, macaco e chave de rodas.
- e quanto é
- 300 pilas.
- 300?
- é, mas o material é de primeira.
- é novo?
- não, nós só trabalhamos com material usado.
- tá certo, manda entregar lá no depósito.
- sem problema nenhum, o kit tá lá.
- como tá lá?
- é que estamos com problema de espaço aqui na
loja, e os kits já ficam por lá mesmo.
- sei!...
- aqui é só pagar, e retirar lá.
- tá certo, toma o dinheiro.
- obrigado, até logo, volte sempre viu, doutor ! o senhor quer uma notinha?
- num quero porra nenhuma de notinha, e até nunca
mais, seu velho cretino.
- seu mal educado, mal agradecido, a gente resolve
o seu problema e o senhor vem com essa ignorância, essa grosseria.
- velho safado, ladrão, sem-vergonha.
(de
volta ao Depósito)
- e ai doutor? resolveu
tudo ! comprou o kit?
- comprei o kit sim, e o velho me disse que era
para retirar aqui nessa espelunca.
- perfeito, doutor! o
senhor quer que mande instalar o kit? é grátis.
- porra! até que enfim
alguma coisa grátis.
- quer dizer o DETRAN não cobra nada, mas tem de
dar uma cerveja pro rapaz instalar o kit depósito.
- eu sabia! vai, vai, diz
a ele que tudo bem, vamos logo com isso.
- pronto doutor! seu carro
está pronto! só não deu pra lavar por dentro, tem um
pouquinho de sangue nos bancos e no teto.
- merda, tá bom, tá bom. toma
tua cerveja.
- obrigado, até logo, volte sempre viu, doutor!
- nunca mais, quadrilha de
vagabundos, vou é denunciar vocês pro Itagiba.
(Almeida
pensando: pelo menos recuperei meu fusca, mas esse trânsito tá uma merda)
- encosta!
- ô cabo, sou da casa!
- encosta! já disse!
- tá bom, tá bom!
- mãos na cabeça!
- que isso! sou coronel da
PM.
- sai do carro e deita no chão!
- mas, mas... peraí
deixa eu tirá pelo menos o cinto.
- anda logo, se não vou apertar!
- tá bom, tá bom, que é que houve?
- essa placa tá pedida na Maré zero desde ontem, e
fazia parte de um bonde.
- mas eu acabei de recuperá-lo no DETRAN.
- sei não, e porque que tu num deu baixa?...
- pombas, passa um rádio
pro teu supervisor, eu sou coronel da PM, caceta!
- coronel? cadê a
carteira?
- me tira as algemas e o joelho das minhas costas,
que eu te mostro.
- tá bom, mas devagarzinho, senão eu aperto.
- pronto, tá aqui a porra
da carteira.
- desculpe coronel, sabe como é que é né, com essa violência a gente num pode bobeá.
- tá certo, eu vou ligar pro 190 e pedir pra baixá a ocorrência.
- valeu, coronel, até
logo.
- até logo, cabo.
(um
dia depois, quinta-feira a noite, na sala, Maria
Helena comenta com Almeida)
- finalmente, nem acredito, vamos tirar quinze dias
de férias.
- férias? que férias? como? tu acabou de tirar férias,
pensei que fosse só o fim-de-semana.
- é! vamos pra nossa casa
em Rio das Ostras, tirei uma licença lá no serviço.
- você tirou uma licença?
- tirei !
- licença-prêmio, aquela de 6
meses?
- não sua anta, tirei uma
licença maternidade!
- maternidade? mas como? as crianças estão com mais de 15 anos!
- lembra do incêndio no DAC em 1997?
- lembro!
- pois é, queimou tudo! perderam
todos os registros, tudo!
- eh, aí?
- aí que eu disse que tava grávida e me deram uma
licença de 15 dias.
- mas a licença maternidade não é de uma semana?
- claro! mas eu disse que
eram gêmeos, sabe como é serviço publico, eles não conferem nada mesmo.
- sei!
- ah! já ia me esquecendo,
mamãe vai com a gente.
- o quê? dona Rosa?
- e tu tem outra sogra por
um acaso? seu cretino.
- mas, o carro é pequeno, mais as bagagens.
- te vira, dá teu jeito. e
mais, vou levar a Joana como diarista, não quero estragar minhas unhas na
cozinha, quero descansar.
- mas santinha, seis num carro daqueles, mais as
bagagens.
- dá teu jeito, e para de me chamar de santinha.
- sim, minha santa!
(sexta-feira
a noite: família na sala vendo a novela das oito)
- Almeidaaaaa! vai arrumar as coisas no carro, pra gente sair amanhã de
manhã bem cedo.
- mas agora no meio da novela.
- agora!
- tá bom santinha!
- paiê, posso levar meu skate?
- não!
- e a bicicleta?
- nãooooooooooooooooo!
- não grita com o menino...
- sim, santinha.
- Almeida não esquece as cadeiras de praia, a
esteira de palha, o guarda-sol, o isopor e o urinol da mamãe.
- sim, santinha.
- pai, posso levar minha
bóia?
- não tem lugar!
- não grita com a menina...
- sim, santinha.
- ah, deixa, vai, deixa! eu
desvazio ela!
- tá bom, tá bom, então bota no bagageiro do teto,
que o bagagito já tá cheio.
(sábado
de manhã cedo, já na ponte rio-niterói, no carro: o
cheiro chegou rápido e forte, de baixo pra cima)
- hummmmm! hummmmmm! quem
foi? quem foi? quem foi? quem foi?
- quem foi o quê?
- o cheiro, num tá sentindo?
- eu num fui, pai, minha mão nem amarela tá.
- cala a boca.
- foi a vala de esgoto.
- que vala, dona Rosa, nós estamos no meio da ponte
Rio-Niterói, aqui não tem vala de esgoto coisa
nenhuma, nós estamos em cima da baía!
- então, ou os peixe tá podre ou então alguém se sortô, ou deve ter sido os meninos, por isso também que eu
não como mais esses peixe podre da feira!
- fecha a janela, Almeida,
mamãe pode resfriar.
- não fecho bosta nenhuma até sair esse cheiro.
- eu num fui, pai, olha minha mão.
- cala a boca.
(finalmente,
o pedágio, até que enfim!)
- devagar Almeida, mamãe vai enjoar!
- é sim, seu Almeida vai devagar com esta joça, se
não eu passo mal e boto tudo pra fora na sua nuca, aqui atrás num tem janela, e
tá com um cheiro de sangue estragado danado!
(Almeida
pensa: oh ! Deus tenha piedade da minha alma )
- tô devagar, santinha!
- e para de me chamar de santinha!
- tá bom, minha santa!
(No
pedágio)
- tem troco pra vinte?
- não!
- como não? só tenho essa
nota!
- dá teu jeito!
- como dá meu jeito?
- olha a fila!!!!!!!!!!
- o que você qué que eu
faça?
- arruma dois e trinta, aí, ô velho!!!!!
- bom, agora me enfezei, em primeiro lugar não sou
velho, depois tu tem de me dá o troco, num interessa o valor que eu te dou!
- éh?
- éh!!!!!!!!
- tá bom, então começa a contá
aí oh! babaca....
(Almeida
gelou, o cara da cabine despejou pela janela do fusca, três sacos de moedas de
um centavo, que tinha acabado de receber de uns motoqueiros que estavam fazendo
um protesto na ponte)
- Peraí, isso é ilegal!!!
- ilegal, porque meu velho? é
dinheiro ou não é?
- bom, dinheiro é, mas
ninguém paga com isso!
- tem razão, só uns babacas duns motoqueiros que
passaram aqui de manhã, fazendo um puta dum barulho, e outra coisa, adianta
logo essa charanga, que a fila tá aumentando!!!!
- fdp, eu vou mas se tiver faltando algum centavo eu volto.
- isso, volta sim, meu tio!!!!!
- tio é o ca...
- ALMEIDAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!
olha a boca tem criança no carro.
- tá bom, santinha.
- e anda logo que eu tô
com um calor danado e a mamãe tá passando mal...
- pra variar!
- o quê????????
- não, nada não santinha.
- e para de chamar de santinha.
- tá minha sant...
(100
km à frente)
- paiê, que qui é essa luz vermelha no painel?
- nada não meu filho é o farol alto, papai vai
desligar...
- farol alto? mas num é
azul?
- é, mas nesse carro é vermelha mesmo, tá no
manual.
- que manual Almeida? esse
carro nunca teve manual.
- eu decorei ele todo,
baixei da internet, sei tudo desse carro, e para de implicar.
- seiiiiiiiiiiiiiiii.
(150
km a frente)
- graças a Deus tamos quase
chegando! Tua mãe melhorou do enjôo?
- tá dormindo!
- dormindo?
- é, porque? tu não dormi não?
- durmo minha santa, mas com esse sacode, sei
não...
- esse sacode dá sono em qualquer um...
- é mesmo, agora que tu tá falando tô começando a sentir um sacode no volante.
- o que será?
- nada não, deve ser as rodas desalinhadas.
- é?
- é, mas tá aumentando um pouco.
- o quê?
- o barulho!
- é, tô escutando também.
Almeida, porque que esse cara na charrete ultrapassando a gente, tá com o
polegar pra baixo?
- deve ser o escudo!
- que escudo?
- o escudo do América no vidro traseiro, sabe como
é que é, o time tá meio fraco, deve ser por isso.
- acho melhor pará,
chuchú, o sacode tá aumentando muito!
- aqui?
- é pombas, parar aonde?
- então tá, eu vou para logo essa joça.
(parado)
- hi, furou um pneu
dianteiro.
- ? ? ?
? ? ?
? ? ?
eu num falei chuchú que
tinha alguma coisa de errado.
- problema não, comprei um
kit depósito, fudêncio, completo.
- então tá !!! eu vou tomá uma água de coco com a
mamãe, tu qué um gole?
- vai logo, diabo!
- o quê?
- falei: vai logo, obrigado!
- ah, bom!!!!!
- Junior, pega o macaco.
- que macaco?
- tá dentro da bolsa do kit depósito.
- que kit, pai?
- embaixo da bolsa da tua vó,
atrás do urinol, debaixo do cacho de bananas, seu merda!
- tá bom, tá bom, num precisa xingá.
- num xinguei, só falei
pra andá rápido com essa bosta!
- paiê, num tem nenhum
macaco aqui não.
- como num tem?
- num tem! pombas!
- o muleque fala direito com
teu pai, porra!
- eu sei, mas num tem nenhum macaco na bolsa desse
tal de kit depósito, caceta!!!!!!
- dexa eu vê!
- ????? puta merda, fui
enganado!!!!
- olha o palavrão, pai, a mãe num gosta, ela puxa a
orelha da gente.
- num tem problema, cava embaixo da roda, que eu
boto um calço.
- calço? que calço?
- é, porra, um calço, sei
lá, pega alguma coisa, ali oh! a sandália de salto
alto da tua vó lá atrás no banco.
- hi, vai dá merda, pai.
- olha a boca, seu puto, lava essa boca, senão te
dou uma móca, e vai dá merda porquê?
- porque a vó tá com
joanete, e disse que se alguém pegá na sandália dela,
ela enfia a porrada.
- éh! éh! e se a gente fica aqui o
resto do dia nesse sol, ela vai fazê o quê? vai abaná a gente, pega logo essa
bosta dessa sandália, caceta, tô
mandando!!!!!, pombas.
- tá bom, tá bom, num precisa gritá.
(meia
hora depois)
- pronto, esse é o véio Almeida, que trabalho de primeira, pneu trocado, tudo
em cima.
- bem !!!!!!!!!!!!!!!!!!!,
já cabô?
- já minha santa, tá tudo resolvido.
- então vamos embora que eu tô
apertada.
- tá o quê?
- tô apertada, caceta!!!!
- sei, sei .. tudo bem!
(50
km a frente)
- seu Almeida?
- que qui é minha sogra? falaaaaa?
- o senhor viu minha sandáia
esquerda?
- sandália? que sandália?
- a que eu boto no pé, seu mané!!!
- num vi não dona Rosa! porquê?
- porquê sumiu, pombas,
tava aqui ainda pouco e agora num tá mais.
- oh! vó
é uma com um salto grosso de carnaúba?
- é porquê?
- não por nada não, pensei que tinha visto uma.
(Almeida
suou frio)
- éh! é
essa mesma, o senhor num viu não, seu Almeida?
- infelizmente, num vi não, minha sogra.
- pai, aquilo que a gente botô
embaixo da roda parecia uma sandália.
- cala boca muleque,
aquilo foi um toco.
- toco? que toco? seu Almeida, o senhor por um acauso
não calçou esta banheira com a minha sandália?
- que isso dona Rosa, jamais faria isso!!!!!!!!! usei um toco!!!
- puta merda, eu agora vou ficar mancando o resto
das féras o tempo todo?
- oh ! deus,
num é féras, dona Rosa, é férias!
- e daí seu Almeida, féras
ou férias é tudo a mesma merda, sogra e avó só serve
pra trabalhar mesmo, passar roupas essas coisas, bando de forgado.
- tá bom, tá bom, depois eu empresto pra senhora
minha sandália havaiana esquerda, de qualquer maneira já perdi mesmo o lado
direito no churra do COGAL!
- COGAL??? que isso??
- é, dona Rosa, cogal é aonde o pessoal da turma maracujá se reúne, quase
todo mês, lá na Ilha do Governador.
- seu Almeida, algum desses seus amigos maracujás é
ajeitado, ou é tudo caído, surdo, corcunda e careca igual ao senhor?
- que isso dona Rosa ! tá achando que a rapaziada é um bando de velho, por um
acaso?
- sei lá, né, de repente,
quem sabe? pode ter algum maracujá mais novinho, ainda
sem rugas.
- pode esquecer dona Rosa, todo mundo lá já é
arrumado, ou então é tio (velha assanhada).
(50
km a frente, descidona,
banguela...)
- Almeida, olha o radar!
- radar, que radar?
- o radar, caceta!
- putz, agora já era,
dancei!!!
- pois é, eu te avisei pra
num passar dos oitenta.
- eu tava abaixo de sessenta, minha santa, mas
distraí.
- e para de me chamar de santa, seu cretino.
- sim, minha santa, quer dizer, não, minha santa.
(chegando
na casa, em Rio das Ostras)
- Muito bem, chegamos, todo mundo ajudando a
descarregar as bagagens!
- negativo, eu num vou trabalhar, trouxe a Joana
pra isso, num vou estragar minhas unhas.
- nem eu, seu Almeida, afinal de contas sou sogra e
avó, vim aqui pra curtir minhas féras.
- é, é, é, e quem vai me ajudá.
- eu num sou paiê, vou mergulhá!
- tá bom, tá bom, sobrou pro velho!
(meia
hora depois)
- seu Almeida!!!!!!!!!!
- quié Joana...
- num tem água na bica da pia.
- abre a torneira!!!
- já abri seu Almeida num sai nada.
(Almeida
pensou: num acredito!)
- deixa que eu vou ver,
liga a luz da sala.
- já liguei!
- e aí?
- num acendeu nada.
- então num tem luz, com isso a bomba não funciona
e não joga água na caixa.
- e agora?
- agora sua anta, alguém vai ter de bombear no
braço a água pra caixa d’água.
- éh!,
eu qui num vou, já fiz
minhas unha hoje, e num vou me estragá, tô aqui só pra cozinhá e lava as loça de luva.
(Oh
deus, lá vou eu!!!!)
(uma
hora depois, suando em bicas)
- pronto a caixa tá cheia!
- Almeidaaaaaaaaaa!!!
- fala santinha!
- É melhor procurar um borracheiro e consertá esse pneu logo duma vez.
- hoje não, vou tomar uma ducha e descansar, amanhã
dou um jeito.
- mas amanhã é domingo.
- e daí, tem sempre um borracheiro aberto.
- olha...
- deixa comigo.
- então tá bom !
(a noite depois da janta, a luz voltou)
- seu Almeida bota no 4
que eu quero ver a novela das oito.
- eu também, pai!
- já vai, dona Rosa, já vai!
- Joana, tu já lavou a louça?
- depois eu lavo, antes de deitá,
seu Almeida (folgada).
- peraí ! Joana, pega o bombril
na cozinha pra melhorar a antena.
- num tem!
- como num tem?
- esqueci de trazê.
- merda, peraí que eu vou
esticá um arame no gancho da rede...
- continua ruim essa bosta, seu Almeida.
- sei, sei, peraí, melhorou, dona Rosa?
- agora saiu o som.
- estão vê a novela no mudo mesmo, que a senhora só
é surda quando quer.
- grrrrrrrrrrrrrr.
(domingo
de manhã cedo)
- vamos todo mundo acordando, que tá um dia lindo,
olha que sol.
- peraí pai, tá muito
cedo.
- tá nada, vamos embora
pra praia duma vez.
- negativo, Almeida, você vai na
cidade comprar leite, mortadela, manteiga e pão, e vê se num demora, aproveita
traz dois frangos assados com farofa pro almoço lá na praia, que hoje é folga
da Joana.
- o queeeeeê?
- é, e tu acha que nós
vamos pra praia sem comer? praia dá uma fome!!!
- eu já tô com fome, pai.
- tá bom, tá bom, aproveito e conserto o pneu
furado.
- então tá, nós vamos pra praia, e você vai fazer
as compras, mas vê se num demora, a padaria mais próxima
fica só a uns vinte quilômetros.
- posso ir também pai?
- não!!!!! vai com a tua mãe e a tua avó pra praia, que eu já volto.
(Almeida
pensando: porra, tudo eu!)
- essa fila é pro pão?
- não meu tio, essa é da água mineral, a do pão é
aquela que tá dando a volta na esquina.
- num acredito!!!!
- oh chefia! sabe onde que
tem um borracheiro próximo?
- hoje?
- é hoje! hoje hoje !
- mas hoje é domingo tá tudo fechado!!!
- e daí?
- daí que aqui em Rio das Ostras todo borracheiro
fecha aos domingos, só em Macaé!
- Macaé????????
- é em Macaé!!!!
- mas são mais de 50 km.
- éh!
(Almeida
pensando: tô perdido! Bom, de repente encontro o
Coutinho e a rapaziada maracujá, e ainda tomo umas cervas, vamos lá)
(na
estrada)
- putz essa luz vermelha
não apaga, será que o farol alto tá queimado?
- melhor ligar pra santinha!
- hi! cadê
o celular?
- nossa, larguei em cima da mesa da cozinha!
(na
subida)
- esse motor tá meio fraco!
- que isso? até cachorro
tá me ultrapassando!
- deve ser a gasolina, daquele posto maldito na avenida Brasil, gasolina batizada é isso aí!
- bom, agora parou duma vez! puta
merda logo no meio do nada.
- putz! a solução é pedir um socorro!
(duas
horas depois, um reboque estaciona)
- pobrema aí, meu tio?
- é chefia, a caranga
parou de estalo e num sei porquê, num pega mais de
jeito nenhum!
- dexa eu dá uma olhada! bota o triangulo lá atrás.
- certo! vou pegar no
capô.
- vai que eu vou dá uma verificada no motô lá trás!
- oh! chefia, tu num tem um
triângulo pra emprestar?
- porque, cadê o teu?
- achei que tava no saco do kit, mas me enganaram
ontem no depósito, e só tem umas pedras.
- hi! vai
te custar um troco o aluguel do triângulo.
- tá bom! tá bom! vou botar uns galhos quebrados e vou ficar abanando na
estrada enquanto tu olha o que que foi.
- xá comigo!
(meia
hora depois)
- é meu tio, o pobrema é
grave!!!
- como grave?
- bom, começando pelo motor: fundeu!
o bróco trincô!
o tio num viu a luz vermelha de falta de óleo?
- achei que era o farol alto!
- farol alto é azul, tio!
- putz, bem que o muleque falou, bom e daí?
- además tem também a
bateria que quemô!
- como “quemô”?
- éh! ela
fica debaixo do banco de trás!
- seiiiiiiii...
- bom, que alguém perdeu uma pulseira, que caiu no vão
do banco, escorregô, e fechô
um curto e queimô a bateria.
- deixa eu ver essa
pulseira.
- tá aqui!
(Almeida:
gelou ! a pulseira de aço dizia “para vovó com
carinho”)
- num acredito a pulseira da dona Rosa!
- tá certo chefia, que mais?
- bom, meu tio, tirando isso, tem as ponteras desalinhadas e a caxa de
direção torta, só isso.
- nossa senhora! e a
solução?
- rebocá!!!
- rebocar pra onde?
- pra minha oficina em Macaé, lá eu dou um jeito
nesses pobremas!
- bom, eu tava indo mesmo pra Macaé consertar o
estepe que tá furado.
- a gente também conserta pneu lá em casa... quer dizer na oficina.
- tá bom ! tá bom ! tá bom ! já é quase meio-dia, vamos rebocar logo essa joça e dar um
jeito nisso tudo, que eu ainda tenho que comprar o café da manhã pra turma lá
em casa, que já deve estar morrendo de fome!
- sabe como é que é, praia
dá uma fome!
- bom, meu tio ! qué um orçamento agora ou depois?
- qual é a diferença?
- bom, seu eu der um preço agora o senhor paga
agora, se eu der depois o senhor paga depois, mas aí tem um acréscimo!
- como acréscimo?
- é meu tio! depois o
risco é todo seu, pode ser que a gente encontre outras coisas, sabe como é que
é, né?
- não, eu pago depois mesmo, vamos embora pra
Macaé.
- então, sobe na boléa
que eu vou amarrar a charanga lá atrás.
(duas
horas depois)
- oh! chefia, demora muito
ainda?
- não tamos perto, só
mais um pouquinho!
- nossa, já são quase três
horas, e eu não comprei nem ainda o café da turma, tô
perdido, a santinha não vai acreditar.
- quem?
- deixa pra lá!
(uma
hora depois)
- pronto, meu tio, chegamos!
- porra, até que enfim, esse reboque num passa de 40, hem meu?
- éh! é
que ele é a gás!
- e só agora que tu me diz!
- o tio num perguntou!
- tá bom! tá bom! tá bom! começa logo a consertar
essa joça.
- num posso ainda!
- porque?
- meu ajudante num chegou, tá atrasado!
- num acredito!
- además também num armoçei! e só trabalho depois do armoço.
- num acredito!
- fique a vontade aí no sofá, meu tio!
- tem um telefone por aí!
- aí isso tem ! desce a rua, dobra a segunda a esquerda, depois a terceira a
direita que tem um orelhão.
- obrigado, vai mexendo aí, que eu tô com pressa!
(No
orelhão)
- alô! alô! alô! alô! alô!
alô! alô!
- merda, ninguém atende!
- putz, deixei no vibrador!
(vou
esperar uns cinco minutos)
- alô! alô! alô! alô! alô!
alô!
- quem é? a cobrar?
- Joana? Joana?
- é!
- sou, seu Almeida!
- quem
- Almeida, pombas, eu, seu patrão, sua anta!
- hi! num
começa não, que tá todo mundo com fome aqui seu Almeida, já são quase 4 horas
da tarde e o senhor num apareceu nem com a mortadela nem com os frango.
- chama a santinha!
- quem?
- A SANTINHA! A SANTINHA! A SANTINHA!
- hi! num
precisa gritá, já vai, já vai!
- Santinha?
- que é? seu merda!
- peraí, deixa eu explicar, tô em Macaé!
- aonde?
- Macaé!
- Macaé? e o que você tá
fazendo aí?
- fui rebocado!
- re.... o quê?
- puta que saco!
- churrasco?
- não, não, rebocado!
- eu sabia, seu cretino,
churrasco em Macaé!
- não, não!
- eu sabia, é aonde tem esse monte de Maracujá,
tudo pipa voada, né?
- não, não! não, não! não, não! não, não!
(a
voz ao fundo: oba ! oba ! churrasco em Macaé dos
Maracujás, eu também quero ir!)
- peraí mamãe, deixa que eu
cuido desse safado!
- não, não! não, não! não, não!
- escuta aqui seu velho cretino, é bom você estar
aqui em meia-hora, trazendo os frangos, senão eu te enforco no poste de luz
aqui da rua, e vou embora com as crianças, a mamãe e a Joana, pro rio de ônibus!!!!!
- não, não! deixa eu
explicar!
- não tem explicação, você sai as
8 horas da manhã pra comprar o lanche, e me liga dizendo que está em Macaé num
churrasco!!!!!!!!!
- não, minha santa, fui rebocado
na caçamba, o bróco trincô,
a bateria arriou, o maior fiasco, tá tudo fundido!
- o quê? rebolado no
samba? bloco? bateria? churrasco? todo mundo, fundido...,
o quê? ai, eu vou desmaiar, tô
me sentindo mal!
- num desliga não, alô santinha???????????????
- alô santinha? alô
santinha? alô santinha?
- putz, desligou, agora
arrombou tudo! ela não vai acreditar!!!
(Na
oficina: meia-hora depois)
- Oh! meu chefe, acabou
aí?
- tá dificil, meu tio!
- éh! porque?
- bom, o motor rodou muito tempo sem óleo, e trincô o bróco como eu já lhe
disse! a bateria só nova! a
caixa de direção tá torta! e dessa marca e ano, eu num
tenho as peça não!
- mas você disse que aqui na tua oficina tu dava um jeito!
- éh! isso
antes de fazê um exame mais compreto,
agora que eu vi todo o pobrema, é mais compricado!
- bom, chefia! e agora!
- bom, agora só amanhã, segunda, quando abre as loja!
- tá louco, meu? eu
preciso voltar, hoje, pra Rio das Ostras! já são quase
seis da noite!
- Rios das Ostras? hi!!!!!! aí pegou meu tio! posso lhe dar uma carona!
- carona? que carona?
- ué, carona no meu reboque!
- e o que é que eu faço com o carro?
- bom, a solução é a gente rebocá
até Rio das Ostras, depois o tio dá um jeito!
- e isso, vai me custar quanto?
- 600 pilas!
- o quê?????????????
- 500 pilas! e num dô desconto!
- o quê?????????????
- pode pará,
é 500 pilas no cacau, ou então o tio dorme em Macaé e amanhã a gente resolve,
dou até garantia, pelas 500 pilas.
- quer dizer que consertando ou não o carro, vou ter de te dar 500 pilas?
- éh! adiantado!
que eu preciso deixar a feira aqui em casa!
- sei...
(Almeida
pensou: bom, se eu pernoitar em Macaé e chegar com o carro funcionando amanhã,
ninguém vai acreditar, é melhor eu chegar com o carro rebocado, pelo menos me
explico)
- tá bom!
- tá bom? o quê?
- vamos rebocar pra Rio das Ostras!
- agora?
- é agora! porque
- agora num dá!
- e porquê?
- porque ainda tenho de botá
gás e dá uma geral no reboque.
- quanto tempo?
- uma hora mais ou menos!
- num acredito!
- o quê?
- nada, falei: oh! meu
santo benedito!
(uma
hora e meia depois, já por volta das nove da noite,
Almeida cansado, esfomeado, e suado, embarca no reboque)
- vamos embora logo, meu chefe!
- já vai, já vai meu tio!
- grrrrrrrrrr...
- que que
foi?
- não me chama de tio!!!!!!!!!!!!
- hi! porquê
- porque na minha turma Maracujá, tio tem outra
conotação!
- conota... o quê?
- deixa pra lá, toca o bonde logo!
- tá bom, meu t...
(onze
da noite, barreira da policia rodoviária federal)
- encosta aí!
- pois não seu guarda!
- guarda não, agente!
- sim senhor, doutô
agente!
- desce os dois!
- o que é que você tá rebocando aí?
- o carro do tio, aqui!
- éh! documento
do reboque e do veículo!
- bom, seu doutô agente,
tá aqui!
- tá vencido o IPVA desde 1999.
- éh! mesmo?
num sabia! mas o resto tá
tudo em ordem!
- vamos ver: extintor!
- o quê?
- e x t i n t o r!
- serve o do fusca?
- não, tem de ser o do reboque!
(Almeida,
pensa, vou ter de agir)
- seu agente, um momentinho por
favor, posso interromper!
- quem é o senhor?
- sou o dono do veículo que está sendo rebocado!
- eh?
- bom, é um caso de emergência, sou coronel da PM,
tá aqui minha carteira, e o reboque está a serviço da polícia.
- éh! mesmo?
- éh!
- bom, nesse caso é melhor chamar a supervisão do
batalhão da PM mais próximo, pra dar uma conferida nessa situação, tô achando esse negócio muito estranho!
- bom, doutô
agente, nesse caso, pra gente num perder mais tempo podemos conversar em
separado.
- podemos, vamos alí na
cabine!
(meia
hora depois, cem reais mais pobre, Almeida embarca de
novo na boléia do reboque)
- e aí, meu tio, tudo safo?
- éh! mais
ou menos, vamos embora, que tem muito chão pela frente, já perdemos um tempão
nessa parada.
(uma
hora da manhã de segunda-feira, o reboque estaciona em frente a casa em Rio das Ostras, tudo apagado, Almeida desce do
reboque)
- ué! num tem ninguém em
casa!
- tem um bilhete ali na porta da varanda, tio!
- vou ver o que que é!
(O
bilhete dizia: “ALMEIDA, SEU VELHO TARADO, FOMOS EMBORA PARA O RIO, DE ONIBUS!
DIVIRTA-SE COM SEUS AMIGOS MARACUJÁS EM MACAÉ”)
- pobrema, tio?
- arrombou tudo, tô
acabado, meu casamento, minha vida, minha família...
- que isso meu tio, num fica assim não, vai melhorá.
- como melhorá, seu
merda, tudo por tua culpa!
- peraí, alto lá! eu num tenho nada a ver com isso não, só reboquei o senhor
até aqui, e agora sou culpado de tudo.
- é sim! seu bosta! como é que eu faço agora? tô com meu carro quebrado, minha família voltou pro
rio, sem celular, e nem chave tenho pra tomar um banho!
- bom, tio, tem uma solução!
- que solução? seu bosta!
- o jeito é rebocar até sua casa no rio!
- o quê?
- é, ué, a gente reboca até o rio, faço um preço
especial pro senhor!
(Almeida, pensa: bom, arrombado, arrombado e meio, aqui é que eu não
posso ficar, sem roupa, sem celular, sem nada, com o carro quebrado)
- éh! e
sai por quanto?
- bom, no caso em questão, vejamos, considerando os
pedágio, mais o gás, o degaste do motor, o vai e vem
até Macaé, as horas extra, etc, etc,
mil pila?
- mil pilas? mas eu já te
dei 500 pila!
- éh, mas é com recibo!
- que recibo, seu cretino! e
eu quero saber lá de recibo, oh deus!
- bom, nesse caso tem desconto!
- éh ! de quanto?
- 10 pila.
- 10 pila? e isso lá é
desconto?
- bom, meu tio, é o máximo que posso fazê se não é melhor descê logo o
fusca.
- tá bom! tá bom! tá bom! tá bom!
- então vambora! que já tá tarde! tio!
(cinco
horas depois, o dia amanhecendo, chegam na casa do
Almeida na Piedade)
- estaciona alí mesmo!
- onde?
- no meio-fio, em frente aquela casa com as
andorinhas penduradas na parede da varanda.
- sei!
- desce o carro devagar.
- deixa comigo!
- valeu meu tio!
- tio é a tua mãe, seu merda! some
da minha vida!
(Almeida,
batendo na porta)
- santinha, santinha, santinha, santinha, santinha,
abre a porta, sou eu!
- oh! deus, e agora?
- vou ter de dormir no balanço da varanda!
- que férias, oh! deus!!!!!!!!!!!
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2005.
Padilha (71-003 / 77-150)